domingo, 21 de agosto de 2011

A menina... (1ªparte)

Era noite, mais uma insignificante noite em que nada acontecia. Daquelas noites normais em que esperamos a alvorada para iniciar o dia. Estava só, uma solidão que inquietava o coração, mas nada podia fazer para acalmá-lo…

Comecei a ver os clarões diários, que surgiram um após outro, depois de toda aquela tormenta imensa que me consumiu meses sem fim. Comecei a ver o sol brilhar neste céu azul que agora é o alimento dos meus dias, fazendo com que esteja quente o suficiente para as flores começarem a florir.

Inicia-se a Primavera, o verde torna-se constante, tal como o zumbido das abelhas que vão de flor em flor chupando-lhes o néctar, como o chilrear dos pássaros que voando procuram insectos para crias os seus filhos, como o bicho-da-seda que agora voa e com as suas belas e coloridas asas que insistentemente batem, percorrem os prados verdejantes…é altura de sair da toca e ver os novos dias que se aproximam!
Por mais solidão que corroa, a minha alma já está viva…e que bom que é viver!

Decidi inventar tarefas, percorri o prado que volteava a quinta e fui para a lavoura. Contudo, depressa percebi que me magoava e que deformava as minhas delicadas mãos…como tinha a pele delicada! Não desistindo do contacto com a natureza, resolvi-me pela jardinagem… o jardineiro que trabalhava por ali perto foi o meu mestre, mas rapidamente me disse que aquele não era o meu lugar. Contudo insisti na aprendizagem, tanto que hoje sei todos os nomes das flores que pinto… pintar…que prazer que me dá!

 Captar a essência de uma flor, de um rio, de um arbusto, da minha própria casa, até da montanha que teima em estar no horizonte…vê-los, senti-los, cheirá-los, tão somente através de um quadro. É preciso conhecer de tudo de perto para conseguir fazer algo assim. É no mais profundo do meu ser que habita este conhecimento, e quando desperta a vontade, lá vem o cavalete, a tela e o pincel para a rua, lá vem a menina com a sua bata branca captar tudo com o seu misterioso olhar, vendo pormenores que ninguém mais repara, vendo para além de quem vê…

Pinta com a suavidade e a leveza de uma dançarina de ballet, move-se lentamente elevando o pincel vezes sem conta, misturando cores, inventando, fantasiando, sonhando…Ah, que bom é sonhar!

Mas a menina que pinta, que sonha, agora aprendeu a ver não só a natureza, mas também a música…e depois de algumas aulas numa academia próxima da quinta onde vive, os pais, para a compensarem da sua ausência, ofereceram-lhe aquele majestoso instrumento branco…Como fica magnífico naquela sala!

 E ela sentada de frente a ele, inicia o seu treino diário, tocando com os seus finos dedos nas teclas que o compõem. A destreza não é muita, a rapidez é ainda pior, mas o som… esse é infinito! Tocando o coração de qualquer pessoa que ouça…quando ela se senta ao piano parece que o mundo pára, nada mais soa para além das notas que toca, parece que o relógio suspende o seu tic-tac para escutar a menina de olhos azuis, azuis como o céu que tantas vezes pintou…

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